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30 março 2016

Fidel Castro: não necessitamos que o império nos dê nada


O líder da Revolução cubana Fidel Castro afirmou que ninguém deve criar ilusões de que Cuba renunciará à glória e aos direitos, e à riqueza espiritual que conquistou com o desenvolvimento da educação, ciência e cultura. Em um artigo intitulado "O irmão Obama" e divulgado hoje aqui, Fidel Castro adverte também que "somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais que necessitamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos dê nada".

Os reis da Espanha nos trouxeram os conquistadores e donos, cujas impressões digitais ficaram nas faixas de terra entregues aos caçadores de ouro nas areias dos rios, uma forma abusiva e vergonhosa de exploração cujos vestígios se podem ver do ar em muitos lugares do país.

O turismo hoje, em grande parte, consiste em mostrar as delícias das paisagens e saborear as iguarias alimentares de nossos mares, e sempre que se compartilhe com o capital privado das grandes corporações estrangeiras, cujos ganhos, se não atingem bilhões de dólares per capita, não são dignos de nenhuma atenção.

Já que me vi obrigado a mencionar o tema, devo acrescentar, principalmente para os jovens, que poucas pessoas percebem a importância de tal condição neste momento singular da história humana. Não direi que o tempo se perdeu, mas não vacilo em afirmar que não estamos suficientemente informados, nem vocês nem nós, dos conhecimentos e das consciências que deveríamos ter para enfrentar as realidades que nos desafiam. A primeira questão a ser levada em conta é que nossas vidas são uma fração histórica de segundo, que também precisamos compartilhar com as necessidades vitais de todo ser humano. Uma das características deste é a tendência à supervalorização de seu papel, o que contrasta por outro lado com o número extraordinário de pessoas que encarnam os sonhos mais elevados.

Contudo, ninguém é bom ou mau por si mesmo. Nenhum de nós está projetado para o papel que deve assumir na sociedade revolucionária. Em parte, nós, os cubanos, tivemos o privilégio de contar com o exemplo de José Martí. Pergunto-me inclusive se ele tinha que cair ou não em Dois Rios, quando disse "para mim é chegada a hora", e procedeu contra as forças espanholas entrincheiradas em uma sólida linha de fogo. Não queria regressar aos Estados Unidos e não havia quem o fizesse regressar. Alguém arrancou algumas folhas de seu diário. Quem tem essa pérfida culpa, que foi sem dúvida obra de algum intrigante inescrupuloso? Conhecem-se as diferenças entre os chefes, mas jamais indisciplinas. "Quem tentar apropriar-se de Cuba recolherá o pó de seu solo afogado em sangue, se não perecer na luta", declarou o glorioso líder negro Antonio Maceo. Reconhece-se igualmente em Máximo Gómez, o chefe militar mais disciplinado e discreto de nossa história.

Olhando de outro ângulo, como não admirar a indignação de Bonifácio Byrne quando, desde a distante embarcação que o trazia de volta a Cuba, ao avistar outra bandeira junto à da estrela solitária, declarou: "Minha bandeira é aquela que jamais foi mercenáriaâ", para acrescentar de imediato uma das mais belas frases que jamais havia escutado: "Mesmo que desfeita em pequenos pedaços é minha bandeira â nossos mortos alçando os braços ainda saberão defendê-la!â". Tampouco esquecerei as inflamadas palavras de Camilo Cienfuegos naquela noite, quando, a várias dezenas de metros, bazucas e metralhadoras de origem norte-americana, em mãos contrarrevolucionárias, apontavam para o terraço onde estávamos. Obama nasceu em agosto de 1961, como ele mesmo explicou. Mais de meio século transcorreria desde aquele momento.

Vejamos no entanto como pensa hoje nosso ilustre visitante:

"Vim aqui para deixar para trás os últimos vestígios da guerra fria nas Américas. Vim aqui estendendo a mão de amizade ao povo cubano".

De imediato um dilúvio de conceitos, inteiramente inovadores para a maioria de nós:

"Ambos vivemos em um novo mundo colonizado por europeus". Prosseguiu o presidente norte-americano. "Cuba, assim como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da África; igualmente aos Estados Unidos, o povo cubano tem heranças em escravos e escravistas".

As populações nativas não existem em absoluto na mente de Obama. Tampouco diz que a discriminação racial foi varrida pela Revolução; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados por esta antes que o senhor Barack Obama completasse 10 anos. O odioso costume burguês e racista de contratar algozes para que os cidadãos negros fossem expulsos de centros de recreação foi varrido pela Revolução Cubana. Esta passaria à história pela batalha que travou em Angola contra o apartheid, pondo fim à presença de armas nucleares em um continente de mais de um bilhão de habitantes. Não era esse o objetivo de nossa solidariedade, mas ajudar os povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e outros do domínio colonial fascista de Portugal.

Em 1961, apenas um ano e três meses após o Triunfo da Revolução, uma força mercenária com canhões e infantaria blindada, equipada com aviões, foi treinada e acompanhada por navios de guerra e porta-aviões dos Estados Unidos, atacando de surpresa nosso país. Nada poderá justificar aquele traiçoeiro ataque que custou a nosso país centenas de baixas entre mortos e feridos. Da brigada de assalto pró ianque, em nenhuma parte consta que se podia evacuar um só mercenário. Aviões ianques de combate foram apresentados ante as Nações Unidas como equipamentos cubanas sublevados.

É mais que conhecida a experiência militar e o poderio desse país. Na África acreditaram igualmente que Cuba revolucionária seria facilmente posta fora de combate. O ataque pelo Sul de Angola por parte das brigadas motorizadas da África do Sul racista leva-as até as proximidades de Luanda, a capital deste país. Ali inicia-se uma luta que se prolongou por não menos que 15 anos. Não falaria sequer disto, a não ser que tivesse o dever elementar de responder ao discurso de Obama no Grande Teatro de Havana Alicia Alonso.
Não tentarei tampouco dar detalhes, apenas enfatizar que ali se escreveu uma página honrosa da luta pela libertação do ser humano. De certa forma, eu desejava que a conduta de Obama fosse correta. Sua origem humilde e sua inteligência natural eram evidentes. Mandela estava preso por toda a vida e havia se convertido em um gigante da luta pela dignidade humana. Um dia chegou às minhas mãos uma cópia do livro em que se narra parte da vida de Mandela e, que surpresa!: estava prefaciado por Barack Obama. O folheei rapidamente. Era incrível o tamanho da minúscula letra de Mandela precisando dados. Vale a pena ter conhecido homens como aquele.

Sobre o episódio da África do Sul devo assinalar outra experiência. Eu estava realmente interessado em conhecer mais detalhes sobre a forma com que os sul-africanos haviam adquirido as armas nucleares. Somente tinha a informação muito precisa de que não passavam de 10 ou 12 bombas. Uma fonte segura seria o professor e pesquisador Piero Gleijeses, que havia redigido o texto de "Missões em conflito: Havana, Washington e África 1959-1976"; um trabalho excelente. Eu sabia que ele era a fonte mais segura do ocorrido e assim o comuniquei; respondeu-me que ele não tinha falado mais do assunto, porque no texto havia respondido às perguntas do companheiro Jorge Risquet, que foi embaixador ou colaborador cubano em Angola, muito amigo seu. Localizei Risquet; já em outras importantes ocupações estava terminando um curso do qual lhe faltavam várias semanas. Essa tarefa coincidiu com uma viagem bastante recente de Piero a nosso país; havia advertido a este que Risquet já tinha certa idade e sua saúde não era ótima. Poucos dias depois ocorreu o que eu temia. Risquet piorou e faleceu. Quando Piero chegou não tinha nada a fazer exceto promessas, mas eu já havia conseguido a informação sobre o que se relacionava com essa arma e a ajuda que a África do Sul racista tinha recebido de Reagan e Israel.

Não sei o que Obama terá a dizer agora sobre esta história. Ignoro se sabia ou não, embora seja muito duvidoso que não soubesse absolutamente nada. Minha modesta sugestão é que reflita e não trate agora de elaborar teorias sobre a política cubana.

Há uma questão importante:

Obama pronunciou um discurso no qual utiliza as palavras mais melosas para expressar: "Já é hora de esquecermos o passado, deixemos o passado, olhemos o futuro, o olhemos juntos, um futuro de esperança. E não vai ser fácil, haverá desafios, e a esses vamos dar tempo; mas minha estadia aqui me dá mais esperanças de que podemos fazer juntos como amigos, como família, como vizinhos, juntos".

Supõe-se que cada um de nós corria o risco de um infarto ao ouvir estas palavras do presidente dos Estados Unidos. Depois de um bloqueio impiedoso que já dura quase 60 anos, e os que morreram nos ataques mercenários a barcos e portos cubanos, um avião comercial repleto de passageiros que explodiram em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos de violência e de força?

Que ninguém tenha a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e aos direitos, e à riqueza espiritual que conquistou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura.

Advirto também que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais que necessitamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos dê nada. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta.

Fidel Castro Ruz, 27 de março de 2016/Tomado de Prensa Latina.

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