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04 agosto 2016

O "até breve" de Vila Isabel aos campeões olímpicos cubanos hospedados em hostel


Duas semanas de convívio foram suficientes para estabelecer um laço de amizade e carinho entre moradores de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e a equipe cubana multicampeã de luta olímpica. Em vez de hotéis luxuosos ou mesmo a Vila Olímpica, os cubanos optaram por se hospedar em um hostel na região. Com simpatia e simplicidade, cativaram a vizinhança. Afinal, não é todo dia que é possível ver um bicampeão olímpico andando pelas ruas ou almoçando no bar da esquina.

“Acho que é a primeira vez que uma equipe olímpica fica num hostel”, diverte-se Roberto Sampaio, um dos proprietários do Hostel Maraca, que virou a casa do time de luta de Cuba no Brasil. O local foi escolhido pela proximidade do centro de treinamento da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), a cerca de dois quilômetros. Lá, a equipe cubana completou a reta final de preparação para os Jogos Olímpicos Rio 2016, antes de ir para a Vila Olímpica nesta terça-feira (02.08).

A logística incluiu o Bar do Adão, a poucos passos do hostel, para refeições. O planejamento permitiu economizar tempo nos deslocamentos e focar no treino e descanso. Mas para Raúl Trujillo, chefe da delegação cubana, as vantagens não pararam aí. “Foi muito bom, porque o contato com o povo ajuda muito. Você fica mais descontraído e a carga do treino, a psicológica, essa carga acumulada se vai quando a gente conversa com outras pessoas, ouve música. Estamos nos sentindo em casa”, afirma.

Os cubanos se instalaram nos quartos coletivos, estenderam uma bandeira da ilha na varanda do hostel, colocaram ritmos caribenhos para tocar e mudaram a rotina do hostel. Como boas-vindas, os lutadores ganharam até uma tarde de samba com ritmistas e passistas da Vila Isabel. A batucada, no sábado (30.07), serviu para descontrair a delegação e aproximar ainda mais os cubanos da comunidade.

No hostel, os outros hóspedes ficaram encantados por estarem dormindo no mesmo lugar de uma equipe olímpica. E Roberto Sampaio garante que o tratamento foi o mesmo para todos. “Eles só queriam ter um lugar para descansar bem, sem problemas. Não houve exigência de comida, de travesseiro, de colchão, nada. É o que temos aqui e eles não reclamaram de nada. Na verdade, elogiaram tudo o que a gente ofereceu”, conta.

Os dez lutadores e os oito integrantes da comissão técnica compartilharam quartos oferecidos pelo hostel, com beliches. Apenas o bicampeão olímpico de luta greco-romana Mijaín López, que mede 1,96m e pesa 120kg, dormiu em uma cama maior, de casal. "Estou muito feliz de estar aqui com o povo brasileiro. Temos vivido uma experiência muito boa”, diz Mijaín, que está no Brasil pela segunda vez. Na primeira, levou o ouro nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007.

Cardápio especial

No Bar do Adão, a presença dos cubanos também chamou a atenção dos clientes e atraiu um grupo de compatriotas fãs dos lutadores. Até mesmo o filho de Fidel Castro, Antônio Castro, que é médico da delegação olímpica de Cuba, foi visitar os lutadores e acabou experimentando a comida oferecida pelo estabelecimento.

Aurélio Pimentel, proprietário da loja da franquia em Vila Isabel, conta que o cardápio foi preparado segundo as orientações da nutricionista da equipe cubana. “Ela nos orientou a tirar gordura, fazer feijão sem bacon, sem linguiça. Basicamente é arroz, feijão, salada e uma proteína que eles escolheram no dia anterior: peixe, carne ou frango. Tudo simples, com tempero brasileiro. Como eles todos são de luta, tem que bater peso. A única coisa que eles não fugiram foi da batata frita”, entrega o comerciante.

Os cubanos gostaram não só do sabor dos pratos, como também do serviço atencioso. “Muito boa a comida e a atenção de todos os funcionários foi ótima. Todos na torcida pela gente, sempre falam ‘Fiquem com Deus’. É maravilhoso. Para nós, desde o início foi muito importante que os Jogos sejam na América e, principalmente, no Brasil”, diz Raúl Trujillo.

A passagem dos cubanos pelo hostel deixou uma lição de vida para o empresário Roberto Sampaio. “Fiquei amigo de todos. É até um aprendizado que a gente está tendo de vida. São campeões olímpicos, mundiais, e eles não têm essa de ficar em hotel de luxo. São simples e mostram que dinheiro não é tudo. Eles dão valor à vida acima de tudo”.

Despedida

A simpatia cubana também marcou as crianças de uma escola montessoriana em frente ao hostel. Sem saber muito bem o que é luta olímpica, os pequenos acabaram esbarrando com os atletas nas ruas do bairro e ficaram maravilhados. “A gente foi falar com eles e nos trataram superbem, tiraram fotos com a gente. Foi muito bom”, contou Carolina Sulam, estudante de 16 anos que organizou uma despedida para os cubanos nesta terça-feira (02.08).

Depois de 15 dias no bairro, a delegação rumou para a Vila Olímpica, mas antes recebeu mensagens de incentivo de dezenas de crianças, que fizeram cartazes em espanhol, encheram balões nas cores da bandeira cubana e gritaram o nome do país. O gesto emocionou os lutadores. “Só o Brasil é capaz de fazer algo assim”, disse o chefe da delegação, Raúl Trujillo, com a voz embargada.

Como fala português, já que morou em Portugal por 15 anos, Raúl fez questão de pegar o microfone e agradecer o carinho das crianças. “Estamos todos muito emocionados. Obrigado”. Para a coordenadora da Meimei Escola Montessoriana, Cláudia Soares, o encontro foi um presente para funcionários e alunos. “Nosso espírito olímpico, que ainda estava morno, nasceu. As crianças estavam eufóricas preparando cartazes para que eles se sintam acolhidos. O que a gente quer passar é energia positiva, sucesso, porque já são verdadeiros campeões”, disse.

Carolina, que está na torcida por medalhas cubanas na luta, fez questão de abraçar um por um na delegação e desejar boa sorte. “Acho que eles sentem o mesmo calor que a gente sentiu quando a gente encontrou com eles pela primeira vez”. 

Parceria Brasil-Cuba

A preparação da equipe cubana de luta no centro de treinamento da Confederação Brasileira de Wrestling faz parte de uma parceria que completa uma década. Quando começou a fazer um trabalho para o crescimento da modalidade no Brasil, a confederação foi atrás dos cubanos, referência no esporte. Treinadores de Cuba foram trazidos para as seleções brasileiras e os atletas de ambos os países passaram a fazer treinamentos juntos.

“É um crescimento enorme para o nosso trabalho ter Cuba aqui, uma das potências olímpicas. Faz com que os atletas se aproximem dessa realidade. Nosso trabalho começou há pouco tempo, então para alcançar esse nível vai demorar. Mas essa lacuna vai sendo preenchida com oportunidades assim. Cuba foi importante não só para a luta brasileira, mas para a luta em toda a América do Sul. Esse caminho que a gente fez outros países como Venezuela, Colômbia e Equador também fizeram e tiveram resultados”, conta o diretor de arbitragem da CBW, Eduardo Paz, que se prepara para atuar nos Jogos como árbitro.

Para o brasileiro Diego Ribeiro Romanelli, da categoria até 59kg da luta greco-romana, a oportunidade de treinar e ser sparring do atual campeão mundial, Ismael Borrero, é única.  “Eu estou evoluindo também, porque treinar com uma pessoa forte como ele faz o meu nível aumentar”, diz o atleta, que não se classificou para os Jogos, mas está na torcida pelo amigo cubano.

Keila Calaça, que também ficou hospedada no Hostel Maraca e auxiliou os cubanos durante a estadia em Vila Isabel, aponta a humildade como característica mais marcante dos lutadores. “É importante para todo mundo que está treinando na seleção brasileira, e para os meninos novos que estão vindo também. Eles estão vidrados assistindo ao treino e participando. E é interessante ver a humildade dos atletas cubanos, a gentileza deles em se dispor a treinar com quem tem nível inferior e ainda ensinar. E isso numa época dessa, em que eles estão totalmente focados. Mas eles têm essa questão de passar o conhecimento, têm prazer nisso”.

A convivência com os cubanos fez com que Keila passasse a admirá-los também como pessoas, e não só como atletas. “Todos os que estão aqui são ídolos do esporte, e aí a gente vê a tranquilidade deles, que são pessoas normais, gente como a gente, e vê que também pode chegar lá. A maior lição para mim é essa: são seres humanos maravilhosos, de grande educação e muito humildes. Isso é um aprendizado para a vida toda como ser humano, não só como atleta”, resume a lutadora do estilo livre, na categoria até 75kg, que está como suplente na seleção brasileira que vai disputar a Olimpíada.

por Mateus Baeta - Brasil2016.gov.br

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