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09 junho 2017

Uma sabotagem silenciosa que Cuba não esquece


Foi um pesadelo. As crianças doentes começaram a chegar umas após as outras ao pronto-socorro dos hospitais e, em seguida, os adultos, com os mesmos sintomas que se pareciam com um resfriado comum e que depois pioravam, quando a doença era tratada como tal. Em poucos dias, no final do mês de maio de 1981, todos os hospitais e policlínicas da Ilha estavam combatendo uma das epidemias mais mortais até então vivida nos anos da Revolução, sem que se pudesse saber de onde veio aquela doença ou como tratar dela.

No município Boyeros, na capital, uma área perto do aeroporto José Martí, apareceram os primeiros casos. Desde então, e ao longo dos próximos meses, a febre da dengue hemorrágica, introduzida em Cuba pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, afetaria 344.203 pessoas em todo o país.

“Imediatamente após os primeiros casos de Boyeros, na capital, o vírus foi se propagando de maneira quase explosiva”, conta ao semanário Granma Internacional José González Valdés, professor titular consultor da Universidade das Ciências Médicas de Havana, que em 1981 agia como diretor do hospital pediátrico de Centro Habana.

“Os sintomas da dengue do tipo 2, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, estavam se tornando comuns entre as crianças na área de Centro Habana e nos municípios circundantes: síndrome febril, dores nas órbitas oculares, dor abdominal e muscular, erupção cutânea, dor de cabeça e astenia frequentes, acompanhadas de hemorragias múltiplas, com diferentes graus de gravidade. Na hora, nós alertamos os mais altos escalões das autoridades de Higiene e Epidemiologia”, comenta o médico.

O hospital pediátrico de Centro Habana converteu-se desde o início de junho 1981, “para dizê-lo dessa forma, no posto de comando, para acompanhar e controlar a epidemia e coordenar ações para enfrentá-la. Aqui foram realizadas as primeiras reuniões com os participantes do Ministério da Saúde Pública e de Higiene e Epidemiologia, microbiologistas, pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí e outros diretores e professores de hospitais pediátricos em Havana”, explica.

Diariamente, este hospital pediátrico recebia entre 400 e 500 pacientes, aproximadamente; “mas, às vezes, chegou a 1.200 e 1.300”, diz José González. Naqueles meses, o hospital teve que ser organizado em três grupos de trabalho diariamente até as 17 horas e cada grupo permaneceu em serviço uma vez em cada dois dias.

“Muitos de nós ficamos permanentemente”, conta ao Granma Internacional Bárbara Cristina Viñet Morales, naquela época enfermeira no pronto socorro do Hospital Infantil de Centro Habana. Atualmente é vice-chefe de enfermagem e um dos poucos funcionários que ainda permanece no centro desde aquela época.

Em seus 47 anos de experiência como enfermeira, Barbara nunca mais voltou a viver uma experiência epidemiológica tão dramática quanto a de 1981. “Naquela época, apenas com 22 anos, o hospital chegou a converter-se em minha casa. Como mãe que fui, com duas filhas, não podia suportar ver uma criança doente e não estar lá para ajudar, com as suas famílias”, lembra a enfermeira.

De acordo com o médico, “todo o pessoal médico em nosso hospital esteve pendente do cuidado das crianças doentes e de suas famílias, a maioria muito humilde. O primeiro a mostrar preocupação foi o Comandante-em-chefe. Ele visitou o hospital nove vezes, sem ser esperado. Ele estava acompanhando tudo e sempre foi ver as crianças, para perguntar-lhes como se sentiam e o que elas gostariam de estudar quando cresceram. Elas respondiam, riam e as famílias se sentiam seguras, elas podiam confiar nele e nos doutores que atendiam seus pequeninos”.

Para Bárbara Viñet “essa foi a melhor experiência naqueles dias, ter estado tão perto de Fidel. Uma vez, enquanto os enfermeiros e os médicos percorríamos o hospital, acompanhando o Comandante-em-chefe, entramos em uma sala de cerca de 40 leitos. De repente, todas as crianças saíram de dentro das bolsas de oxigênio que usávamos na época e correram para abraçá-lo. Uma delas gritou: ‘Pioneiros pelo comunismo’ e o resto, espontaneamente, respondeu em coro: ‘Vamos ser como Che Guevara’. Foi muito emocionante”.

Neste hospital pediátrico registrou-se o menor número de mortes na capital, durante a epidemia (do final de maio a inícios de setembro), com apenas duas mortes. Mas, de acordo com o médico e professor José González, “foram dias muito difíceis para todos. Embora muitas vidas fossem salvas, perdemos um bebê de dois anos e uma menina de sete”, acrescenta.
Barbara explica ao Granma Internacional que “um dos meus maiores traumas foi ver morrer aquela menina. Ela morava em Santiago de Cuba e tinha vindo a Havana para passar férias e visitar a tia, também uma enfermeira do hospital. Nós não pudemos fazer muito pela menina. O vírus tinha enfraquecido seu sistema imunológico. Ainda me lembro cheia de desamparo e dor”, acrescenta.

Estes fatos não foram isolados. Cuba levou vários anos enfrentando ataques biológicos, destinados a afetar a saúde das pessoas e desferir um forte golpe à economia nacional. Em 1º de junho de 1964, o Comandante-em-Chefe Fidel Castro Ruz denunciou pela primeira vez o uso da guerra bacteriológica contra o país. Poucos dias antes da declaração, uma grande quantidade de objetos brilhantes caindo do céu alarmou a província de Sancti Spiritus.
Em sua denúncia, publicada em 2 de junho de 1964 na capa do jornal Revolución, o Comandante em Chefe afirmava que “testemunhas no local, incluindo membros das Forças Armadas Revolucionárias provaram que eram balões de vários tamanhos (...) que se dissolviam assim que entravam em contato com o solo, deixando uma substância gelatinosa (...) semelhante à que é usada em caldos de cultura de bactérias”.

Este foi apenas o início do que se tornaria a guerra “mais brutal e desumana”, que custou vítimas e danos econômicos incalculáveis. “A crueldade do imperialismo (...) e sua impotência perante a consolidação e progresso da nossa Revolução podem levá-lo a conceber ações mais monstruosas contra o nosso país (...)”, dizia o líder histórico em sua declaração.

Durante os anos seguintes, o território cubano foi alvo de inúmeras epidemias, como a peste suína, a pseudodermatose bovina nodular, a brucelose do gado, a ferrugem e o carvão da cana, o mofo azul do fumo, a ferrugem do cafeeiro, a doença de New Castle e a bronquite infecciosa das aves de curral, a conjuntivite hemorrágica, a disenteria e a dengue do tipo 2.
As pesquisas e os estudos profundos, feitos ao longo dos anos, mostraram que cada uma dessas epidemias foi deliberadamente introduzida no país.

A dengue hemorrágica foi o mais mortal de todos os surtos. Muitas poucas famílias cubanas escaparam dessa epidemia que deixou 344.203 pessoas afetadas em todo o país, das quais 158 morreram e delas 101 foram crianças com menos de 15 anos.

Nem o doutor Gonzalez nem a enfermeira Bárbara vão esquecer jamais aquele ano em que viram o rosto da pior das guerras vividas por Cuba: a guerra biológica. “Dificilmente existe uma guerra mais desumanizada que essa”, conclui o doutor González.

Do Granma

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