13 setembro 2016
"Enquanto houver bloqueio, haverá debate nas Nações Unidas"
Apresentação do Relatório de Cuba sobre a Resolução 70/5 da Assembleia Geral das Nações Unidas, intitulado ‘Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos de América contra Cuba’, pelo ministro das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez Parrilla, perante a imprensa nacional e estrangeira presente em Havana, no MINREX, em 9 de setembro de 2016, “Ano 58º da Revolução”.
(Tradução da versão estenográfica do Conselho de Estado)
• Moderador.— Encontram-se presentes um total de 66 correspondentes de 34 meios de imprensa estrangeiros de 18 países, além dos representantes dos principais órgãos da mídia nacional.
Este comparecimento está sendo transmitido ao vivo pelos canais Cubavisión, Cubavisión Internacional e Telesur, bem como por Radio Habana Cuba e Radio Rebelde, e na Internet através do canal YouTube, no site www.cubacontrabloqueio.cu.
O ministro fará uma apresentação inicial, depois do qual estará em disposição de responder perguntas que sejam de interesse para a imprensa.
Bruno Rodríguez.— Muito boa tarde.
O bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba persiste. O bloqueio prejudica o povo cubano.
Não há família cubana que não esteja sofrendo os efeitos do bloqueio: carências, dificuldades, privações, que fazem parte da vida cotidiana das cubanas e dos cubanos.
Ninguém ignora nem pretende esconder nossos problemas, nossas limitações, nossos erros, que são de nossa responsabilidade; mas não se deveria subestimar o alcance, o efeito da aplicação do bloqueio, que é a causa principal dos problemas de nossa economia, é o obstáculo principal para nosso desenvolvimento e que adiciona um efeito considerável aos que provoca a injusta e excludente ordem econômica internacional, os efeitos notáveis da mudança climática, as dificuldades, ainda, de nossas relações econômicas externas.
Já passaram 21 meses, cerca de dois anos depois do anúncio do presidente Obama, de 17 de dezembro de 2014 e de outros discursos, declarações de sua parte, nas que qualificou o bloqueio contra Cuba de obsoleto, ancorado no passado, una peça da Guerra Fria; reconheceu que significou uma carga humanitária para os cubanos, que provocou isolamento aos Estados Unidos e significou um obstáculo insuperável em seus vínculos com a América Latina e o Caribe.
O presidente Obama disse que o bloqueio não funcionou, que não tem funcionado e que é preciso levantá-lo; disse que não tem funcionado para os objetivos históricos dos Estados Unidos, para os objetivos destas mais de cinco décadas. Ele não disse que é ilegal, que é uma violação do Direito Internacional; não disse que é uma violação dos direitos humanos dos cubanos; não disse que é imoral, que viola toda ética; nem tampouco disse que é cruel e provoca danos humanos.
No entanto, ele disse que os objetivos dos Estados Unidos são os mesmos de há quase 60 anos e que o que muda são os métodos; mas até hoje, até este minuto em que nos encontramos, o bloqueio persiste com todos seus efeitos, o bloqueio prejudica, continua prejudicando nosso povo. É a realidade, é a verdade, são os fatos.
Não é que eu venha com uma linguagem velha, inercial, nem que deixe tampouco de reconhecer os progressos que houve nestes cerca de dois anos nas relações entre os Estados Unidos e Cuba, não é que deixe de reconhecer o que se avançou.
Entre abril do ano passado, de 2015 e março de 2016, deste ano, os danos econômicos diretos provocados pelo bloqueio a Cuba foram de não menos de 4,6 (4.680.000.000) bilhões de dólares aos preços correntes, calculados com todo o rigor e de maneira prudente e conservadora, com uma metodologia reconhecida, inclusive, por instituições prestigiosas norte-americanas.
Os danos incluem as receitas que deixou de receber nosso povo, que deixou de receber o país por exportações de serviços e de bens: bens tradicionais, bens novos, sobretudo da indústria biológica e farmacêutica.
Inclui, também, perdas por redistribuição geográfica de nosso comércio: longas distâncias, necessidade de ter grandes inventários armazenados pelo tempo em que demoram a chegar as mercadorias, a impossibilidade de prever a chegada de algumas delas e, ainda, a existência de fretes e seguros custosos, por causa dessas distâncias, das circunstâncias também que implica o bloqueio e que implicam também despesas financeiras consideráveis.
Um terceiro efeito direto do bloqueio é o de caráter monetário-financeiro. Perante a proibição para Cuba de utilizar o dólar em suas operações internacionais, tem que fazê-lo em outras moedas. Todas estas operações são custosas, por exemplo, dependem em boa medida das relações entre as moedas, das desvalorizações. No ano do qual estamos falando, o dólar se valorizou, quer dizer, incrementou seu valor respeito a outras moedas, em uma média de 3,58% ao ano, o qual significa que nessa mesma proporção nossas trocas sofreram esses efeitos.
Não há setor em Cuba que não sofra as consequências do bloqueio: nos serviços, na saúde, na educação; em geral, na economia, na vida das pessoas, na alimentação, nos preços, nos salários, na previdência social. Não há elemento em nossa vida em que não esteja presente, de uma ou outra forma, o impacto do bloqueio.
Poderia pensar-se; por acaso não seria melhor a situação de nossa economia, de nossos serviços, a qualidade de nossa vida, nossos níveis de consumo, se tivessem entrado na economia cubana, neste curto período, esses 4,6 bilhões de dólares?
Os danos acumulados, nestas quase seis décadas, chegam a não menos de US$ 753.688 bilhões, que têm sido calculados respeito ao valor do ouro, tomando em conta sua depreciação.
Aos preços correntes, esses danos acumulados equivalem a não menos de US$125,8 (125.873.000.000.000) trilhões, quer dizer, uma quantia considerável.
Em Cuba fez-se muito em todos estes anos; porém que mais não teríamos podido fazer com receitas desta magnitude, em uma economia pequena como é a cubana?
Por essas razões, o governo cubano apresentará, mais uma vez, à consideração da Assembleia Geral das Nações Unidas o projeto de resolução intitulado: “Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”. Essa sessão, no calendário da Assembleia Geral, tem sido marcada para o próximo dia 26 de outubro.
Esse projeto de resolução e, com certeza, o debate que acompanhe sua adoção, refletirão necessariamente os avanços que se produziram nas relações entre os Estados Unidos e Cuba; mas espelharão, sem dúvida, a realidade, e a realidade é que o bloqueio continua, que o bloqueio se mantém, que o bloqueio prejudica os cubanos e as cubanas.
Desejo agradecer profundamente a participação dos chefes de Estado e de Governo no segmento de alto nível da Assembleia Geral do ano passado. O bloqueio foi um dos temas de maior destaque nesse importantíssimo debate.
Quero agradecer, também, os 191 votos que se acumularam no ano passado, praticamente uma votação unânime da Assembleia Geral e expresso a gratidão aos Estados membros, aos seus governos e parlamentos, a suas organizações da sociedade civil e aos seus povos.
É certo que o presidente Obama tem adotado medidas executivas de caráter positivo, na direção correta. Essas medidas têm sido também limitadas em seu alcance e em sua profundidade.
O presidente Obama e seu governo facilitaram as viagens a Cuba de cidadãos norte-americanos sob licença geral e é verdade que cresceram os viajantes; mas a proibição de viajar a Cuba, como turistas, para os cidadãos estadunidenses se mantém até este momento. São proibidos de fazê-lo, sofrem a discriminação de ter que utilizar licenças do governo dos Estados Unidos, de terem de contar com a permissão do governo dos Estados Unidos para poder visitar nosso arquipélago, que é o único ponto no planeta que é alvo dessa proibição. É uma violação de seus direitos e liberdades civis que persiste.
Também é certo que é uma lei que cabe ao Congresso banir, eliminar, que não é faculdade do presidente fazê-lo. Contudo, fiquei surpreso ao conhecer que o Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros, tristemente conhecido como OFAC, acaba de impetrar um processo contra um cidadão estadunidense, acusando-o de ter viajado a Cuba com mais quatro ou cinco pessoas e ameaça de aplicar-lhe uma multa de US$ 100 mil, prática que resulta contraditória com o que está ocorrendo no mundo e entre os Estados Unidos e Cuba.
O presidente adotou decisões significativas no âmbito das telecomunicações. Seus porta-vozes dizem que o fazem com fins políticos, para mudar Cuba. É uma pena que essas medidas sejam politizadas, em um âmbito que reclama o livre fluxo de informação, a capacidade das pessoas de aceder ao conhecimento e de entregar conhecimento às redes. As necessidades de informatização dos países não deveriam ser politizadas, nem militarizadas nem ser utilizadas com fins subversivos. É uma pena que se faça. Mas dentro dos propósitos — como vocês podem ler cotidianamente em nossa imprensa — de desenvolvimento e informatização da sociedade cubana entram objetivos que implicam a importação de tecnologias, de elementos de infraestrutura, e no caso dos Estados Unidos aceitamos esse desafio; temos feito isso, estabeleceram-se contratos de interligação direta, de roaming, como é chamado, com cinco companhias norte-americanas e, naturalmente, que o faremos sobre a base das prioridades nacionais de desenvolvimento e de informatização de Cuba, preservando nossa soberania tecnológica e sem esquecer nossos interesses de segurança nacional.
O outro âmbito que tem sido alvo das medidas executivas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos tem sido o encaminhado a financiar o setor não estatal da economia cubana, os pequenos negócios privados, etecétera. Os porta-vozes disseram que o querem “empoderar” — palavrinha que não sei se existe em português realmente — que querem dar-lhe poder. É uma pena também. Para que? Para mudar Cuba? Mudar Cuba é assunto dos cubanos. Mas também temos aceitado esse desafio porque se corresponde com interesses de nosso povo, de nosso desenvolvimento.
É preciso reconhecer, contudo, que algumas destas medidas não funcionam e parece que lamentavelmente não poderão funcionar enquanto o bloqueio se esteja aplicando praticamente em sua totalidade, como se aplica hoje, porque enquanto se mantiver a proibição do comércio, muito dificilmente essas medidas vão resultar viáveis.
Tem sido positivo, sem dúvida, assinar alguns contratos de administração com companhias norte-americanas no setor do turismo. Mas a verdade é que o comércio, quer dizer, as exportações e as importações ainda estão proibidas. Não é possível exportar de Cuba para os Estados Unidos nem importar dos Estados Unidos para Cuba.
Da mesma forma, no âmbito dos investimentos, à exceção das telecomunicações, não é possível fazer praticamente nada. Os investimentos das companhias estadunidenses ainda são proibidos, prejudica a possibilidade de que concorram livremente e em igualdade de condições com as companhias de outros países, prejudica os interesses do setor dos negócios dos Estados Unidos e, obviamente, também nosso desenvolvimento.
Nas vésperas da visita do presidente Obama a Havana, onde foi acolhido com respeito e consideração, anunciou-se a autorização para que Cuba pudesse utilizar o dólar em suas transações internacionais. Posso declarar que isto não se materializou, isto não ocorreu. Até este minuto, não está ocorrendo e demonstra que o bloqueio também persiste no setor financeiro.
Já sabíamos que a proibição de que os bancos cubanos abrissem contas correspondentes nos bancos estadunidenses, o qual fazia parte da decisão executiva adotada, limitaria muito gravemente essas possibilidades Quer dizer, para um banco cubano é proibido, é impedido de abrir uma conta em um banco norte-americano e isso torna muito difíceis as relações econômicas, comerciais, etecétera.
Contudo, declaro agora que Cuba não conseguiu fazer, apesar dos meses decorridos desde esse anúncio, nem pagamentos nem depósitos em efetivo em dólares, de maneira que seria preciso dizer que a dita medida não está realmente em aplicação. É também muito pesado o efeito de intimidação dos US$ 14 bilhões já aplicados como multas — recorde mundial — durante o período do presidente Obama, fundamentalmente contra bancos europeus e asiáticos.
Nos bancos ninguém esquece o passado e requerem de muita segurança jurídica e política antes de se envolverem em operações com Cuba.
Sempre é bom olhar para frente, mas a história não pode ser esquecida; sempre é bom fazê-lo, mas no caso de Cuba é impossível perder a memória, esquecer a história de Cuba nem ignorar a história das relações entre os Estados Unidos e Cuba desde o momento em que nossa nação existe.
É preciso julgar pelos fatos e pelos dados, não pelas declarações nem os discursos.
A aplicação extraterritorial do bloqueio persiste, violando a soberania dos demais Estados, de todos os Estados do planeta, inclusive dos que têm mais intensas relações, de diferente natureza, com o governo dos Estados Unidos. Estão totalmente vigentes e em completa aplicação, totalmente em vigor a madeixa, o conjunto, a estrutura de leis e disposições de caráter legislativo que codificaram o bloqueio e usurparam faculdades constitucionais do presidente desse país.
Está vigente, por exemplo, de maneira insólita, a Lei de Comércio com o Inimigo, que somente se considera aplicável a Cuba, neste momento. É uma lei que surgiu em 1917. Caberia perguntar: É possível que os Estados Unidos considerem Cuba um inimigo? Isso faz sentido?
A Lei Torricelli, conhecida assim, que liquidou e impede nosso comércio com subsidiárias de companhias estadunidenses assentes e registradas sob a soberania de outros Estados, é uma grosseira invasão na soberania dessas nações.
E a Lei Helms-Burton que é soma e compêndio de tudo isso, provavelmente o elemento do nó górdio que é necessário cortar para poder avançar nas relações entre os Estados Unidos e Cuba; progresso cujo avanço, cujo sentido, cuja profundidade dependerá do levantamento do bloqueio.
Eu sinto que há um apoio majoritário e crescente nos Estados Unidos ao levantamento do bloqueio em todos os setores, em todos os âmbitos, em todos os Estados, incluída a Flórida. Todos os dados resultam incontestáveis neste sentido: apoio majoritário e crescente. O único democrático que caberia esperar é que o Congresso o levante, que escute seus eleitores, que escute os cidadãos, que respeite sua vontade.
O presidente dos Estados Unidos conserva, apesar do que eu explicava, amplas faculdades executivas que poderia utilizar até seu último minuto na Casa Branca e seria preciso esperar que as exerça com determinação, a partir das declarações e os compromissos que neste sentido assumiu.
Contudo, no Congresso foram apresentadas dúzias de emendas destinadas a levantar aspectos do bloqueio, amolecer outros, mas nenhuma, nem uma só delas tem sido aprovada e se apresentaram, também, emendas destinadas a impedir que aquelas avancem, como privar o presidente dos Estados Unidos da faculdade de determinar de maneira executiva ou de reverter algumas das decisões executivas que estão em aplicação.
O reatamento recente dos voos comerciais diretos entre ambos os países, que é, sem dúvida, um acontecimento positivo, uma boa notícia, enfrenta neste momento uma iniciativa legislativa no Congresso dos Estados Unidos, que eu quero denunciar, destinada a revertê-los, a impedi-los, a retornar à situação anterior.
O bloqueio é uma violação em massa, flagrante e sistemática dos direitos humanos dos cubanos. Em Cuba nada vale mais do que una vida; contudo, apesar dos enormes esforços que realiza nosso país no setor da saúde pública, de sua conhecida e provada convicção de não misturar jamais assuntos políticos e assuntos humanitários, como tem demonstrado com um grande altruísmo nosso povo, nosso pessoal médico, particularmente em momentos como os da epidemia do Ébola na África Ocidental; apesar dos enormes esforços que faz nosso governo que é o único que impede que haja mortos, que haja perdas de vida por efeitos do bloqueio no âmbito da saúde; da mesma maneira que não é possível calcular em valores ou contabilizar quantos custa a vida de um criança, que valor tem a vida de uma pessoa, o que é nosso credo, é nossa cultura; dessa mesma maneira seria preciso dizer que os efeitos do bloqueio estão presentes também na saúde pública.
O coração de um recém nascido, o olho de uma garota, a qualidade de vida de um idoso, nada disso tem preço e tudo isso hoje está submetido aos duros, cruéis efeitos do bloqueio.
A própria existência de um programa chamado Parole para o Pessoal Médico Cubano em outros países, para tentar dificultar a cooperação médica de Cuba com terceiros países, para tentar privar Cuba e a esses países do pessoal médico que trabalha em seus territórios, constitui tamanha prova da politização, inclusive, de âmbitos que têm um valor humanitário absoluto.
Por que em vez dessas políticas não poderíamos passar a que os cidadãos norte-americanos possam desfrutar também livremente, dito com modéstia, dos avanços tecnológicos, farmacêuticos, biotecnológicos de nosso país?
Nos Estados Unidos se fazem 70 mil amputações por diabetes. Por que não poderia ser evitada uma parte significativa delas com o Heberprot-P?
Acaba de ser anunciado o Heberferon, um medicamento, um tratamento sem algo similar existente no mundo contra o câncer de pele, que se sabe que é um problema muito sério.
Cuba tem as vacinas contra a Hepatite-B, a antimeningocócica, os anticorpos monoclonais ou vacinas terapêuticas contra o câncer. Por que privar os cidadãos estadunidenses de tratamentos médicos em Cuba, por exemplo?
Permanece a proibição de importar equipamentos com componentes e tecnologias estadunidenses, incluídos os equipamentos médicos. A impossibilidade de aceder a patentes estadunidenses e a produtos, tecnologias ou equipamentos protegidos por elas; a dispositivos cirúrgicos de alta tecnologia indispensáveis para os tratamentos menos intrusivos, menos efeitos negativos. Mantém-se a proibição para a aquisição de produtos ou medicamentos destinados a assegurar melhor tratamento, e, sobretudo, a assegurar menos efeitos negativos de distinta natureza; também para a aquisição de próteses especiais.
É preciso reconhecer que os impactos do bloqueio na alimentação e na saúde do povo cubano significam um dano humanitário considerável.
É imoral que se contabilizem licenças, quer dizer, autorizações que dá o governo estadunidense a uma empresa, licenças que Cuba não pede, quer dizer, Cuba pode solicitar uma oferta, mas essa empresa é a que tem que determinar, remontar a enorme, lenta burocracia até chegar a uma licença. De maneira que é totalmente imoral contar, considerar as licenças em curso ou as licenças emitidas pelo governo dos Estados Unidos, que por estes fatores a maioria delas não se concretiza nunca em fornecimentos, como exportações. As licenças não são exportações e não podem ser contadas dessa forma.
Não é verdade que o governo dos Estados Unidos seja um doador, não digo importante, nem sequer que seja um doador humanitário a Cuba. As doações que Cuba tem recebido e que agradece profundamente, pequenas, feitas com um enorme esforço, o que lhes dá um extraordinário simbolismo e importância moral, não podem ser contabilizadas como exportações do governo dos Estados Unidos. Precisamente, a maior parte dessas doações foi realizada historicamente na contramão, sob condições muitas vezes repressivas, de perseguição.
Lembro as empolgantes cenas dos Pastores pela Paz, de Lucius Walker, a quem nunca nosso povo esquecerá, sob forte repressão, recebendo cacetadas, para tirar-lhes computadores pessoais obsoletos que pretendiam fazer passar através da fronteira.
Os Pastores pela Paz estão hoje, precisamente, sob a ameaça de ações destinadas a impedir o trabalho humanitário reconhecido dessa organização religiosa protestante da sociedade civil dos Estados Unidos.
De maneira que reitero que o bloqueio persiste em todas suas consequências, em sua aplicação. O bloqueio prejudica nosso povo, prejudica o povo cubano, persiste como uma violação do Direito Internacional, como uma violação da Carta das Nações Unidas, da Proclamação da América Latina e o Caribe como Zona de Paz, assinada pelos chefes de Estado e de Governo de nossa região; como uma violação das normas de comércio e de livre navegação, que tem extraordinárias conotações éticas, que é uma grave e persistente violação dos direitos humanos e que provoca danos humanitários muito cruéis.
De maneira que, por estas razões, em poucas semanas, vocês terão acesso ao projeto de Resolução, que recolherá os avanços nas relações bilaterais, porém que, para ser honesta, terá que descrever esta realidade, que se pode apalpar com as mãos, que é tangível, que pode ser demonstrada em cada dado e em cada fato.
Muito obrigado.
Passamos às perguntas. Peço aos colegas da imprensa que vão intervir se identificarem com seu nome e o órgão que representam e fazer uso dos microfones que estão disponíveis na sala.
Andrea Rodríguez (AP).— Boa tarde.
Tal como o senhor mencionava, já passaram 21 meses desde o dia 17 de dezembro de 2014. As sanções, como o senhor mencionou se mantiveram. Ora, os Estados Unidos se preparam para um processo eleitoral. Quais são as expectativas que Cuba tem em relação com estas sanções, em relação com as relações com o país vizinho, seja quem vencer, Hillary Clinton ou Trump, que serão os dois candidatos que vão lutar nesta contenda eleitoral?
Bruno Rodríguez.— Eu sinto que nos Estados Unidos há uma profunda corrente entre os cidadãos e as cidadãs estadunidenses que favorece uma mudança da política para Cuba e o completo, incondicional e unilateral levantamento do bloqueio, pelas razões que já descrevi. Eu sei que há pessoas que têm opiniões diferentes, distintas, em relação com Cuba, mas nenhuma pessoa de boa vontade poderia aceitar as consequências de uma política sobre um povo, sobre pessoas inocentes, sobre todas as famílias, sobre as crianças que estão nascendo o que têm poucos anos, sem se comoverem. De maneira que seria preciso esperar que se a democracia estadunidense funciona como se diz, tome em conta o sentir dos eleitores, dos cidadãos, respeite a vontade do povo norte-americano e se apresse a levantar de forma completa, de forma total o bloqueio a Cuba. Se há uma democracia funcional nos Estados Unidos, será preciso esperar que o Congresso dos Estados Unidos, os senadores e congressistas ajam segundo lhes dita o povo soberano dos Estados Unidos e levantem o bloqueio. De maneira que seria preciso esperar que, ao menos que sejam ignoradas totalmente essas vontades, haja um sentido de continuidade no processo que se iniciou, que será preciso ver, será preciso descobrir, será preciso provar, determinar nos fatos práticos da realidade e não nas declarações de imprensa que se façam.
Yatsu Yamaguchi (NHK).— Muito obrigado. Posso perguntar-lhe em inglês?
Bruno.— Pode perguntar.
Yatsu Yamaguchi.— Meu nome é Yatsu Yamaguchi. Trabalho para a rede de televisão pública NHK. Minha pergunta é a seguinte. Já transcorreu quase um ano depois que teve lugar a abertura da embaixada estadunidense em Havana. Acaso esta nova relação entre Cuba e os Estados Unidos satisfez suas expectativas? O senhor poderia esperar que esta relação conduzisse à normalização? E, caso não ser assim, o que espera o senhor desta relação e que devem fazer os Estados Unidos para que Cuba se sinta satisfeita no próximo ano?
Bruno Rodríguez.— Eu já dei minha opinião sobre estes aspectos e reconheci verdadeiros progressos no âmbito do diálogo e a cooperação entre ambos os países, e posso dizer que houve progressos substanciais nas relações diplomáticas entre ambos os governos. Contudo, devo assinalar que o elemento nodal, o elemento essencial que determina a tendência, que determina o alcance, a profundidade e o ritmo desse processo de melhoria das relações bilaterais é o levantamento do bloqueio. O bloqueio persiste, continua provocando danos econômicos e, ainda mais, danos humanitários.
A normalização das relações entre os Estados Unidos e Cuba terá que passar necessariamente pelo levantamento completo do bloqueio econômico, comercial e financeiro e pela devolução do território que usurpam os Estados Unidos em Guantánamo. De maneira que são dois aspectos determinantes neste sentido.
Posso dizer-lhe que, em minha opinião, o que permitirá medir, avaliar a tendência dos próximos anos será necessariamente quanto se conseguiu avançar ou quanto não no levantamento do bloqueio a Cuba.
Cristina Escobar (Televisão Cubana).— No Relatório em algum momento se fala ou será levado ao debate na Assembleia Geral da ONU aquilo que tem a ver com o dinheiro que ainda hoje o governo dos Estados Unidos entrega aos chamados Programas de mudança de regime com fins subversivos, dinheiro que é destina com fins subversivos em Cuba? Quer dizer, está sedo manejado isso como parte da informação que se está oferecendo à comunidade internacional?
Outra pergunta que tem a ver com uma linha de mensagens que se está escutando muito da política estadunidense, que tem a ver com o que está acontecendo entre Cuba e os Estados Unidos é uma troca, que Cuba deve dar algo para que os Estados Unidos cedam outra coisa, como se isto fosse uma trpoca. Que opinião tem sobre isso?
E uma pergunta que nos fazem muito a nós: durante 24 ocasiões, votações, Cuba recebeu o apoio esmagador da comunidade internacional, e voltamos a apresentar a Resolução. Por que o fazemos se já aconteceu em 24 ocasiões anteriores e ainda os Estados Unidos não levantam o bloqueio?
Muito obrigada.
Bruno Rodríguez.— São três perguntas.
Primeiramente, para avançar na melhoria das relações entre os Estados Unidos e Cuba hão de se resolver inúmeros problemas. Já mencionei o da mera existência do bloqueio econômico, comercial e financeiro e o da existência da base naval de Guantánamo, que ocupa ilegalmente território cubano contra a vontade de nosso povo.
Há outros aspectos das relações entre os Estados Unidos e Cuba que hão de ser resolvidos, outros problemas, que incluem desde a compensação ao nosso povo pelos danos humanos e os danos econômicos acumulados, segundo sentenças do Supremo Tribunal Provincial de Havana e que é um assunto que, sem dúvida, será necessariamente parte dos processos de negociação, encaminhados a atingir, algum dia, no horizonte, a normalização entre ambos os Estados. Da mesma forma existem políticas encaminhadas a mudar, a modificar a ordem constitucional, o sistema político cubano, que transgridem o Direito Internacional, que são atos de ingerência em nossos assuntos internos que proíbe a ordem internacional e que também deverão acabar
Cuba não bloqueia os Estados Unidos, mas sim convida suas companhias a comerciar e a investir em nosso país, e lhes garantirá um tratamento igualitário como o que recebem todas as demais do planeta que vêm ao nosso solo; não discrimina seus homens de negócio; não ocupa nem um centímetro quadrado do território nos Estados Unidos, más além das nossas embaixadas em Washington e em Nova York que, segundo as convenções diplomáticas, são território cubano, mas não ocupamos ilegalmente nem usurpamos um só centímetro quadrado nos Estados Unidos.
Não proibimos aos cubanos viajar aos Estados Unidos, nem impedimos ou restringimos de nenhuma maneira as viagens dos cidadãos norte-americanos a Cuba, mas os convidamos a desfrutar de nossa cultura, da hospitalidade de nosso povo.
Não há nenhuma medida discriminatória que Cuba aplique contra os Estados Unidos, de maneira que os atos que já descrevi antes, particularmente o bloqueio, hão de ser resolvidos por decisões unilaterais do governo dos Estados Unidos da América.
É preciso persistir. Grandes temas da situação internacional têm sido alvo, durante muitas décadas de consideração, por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas. É uma poderosa mensagem do ponto de vista político, do ponto de vista do Direito Internacional, do ponto de vista ético.
Enquanto houver bloqueio, haverá debate nas Nações Unidas, haverá Resolução e haverá votação; de maneira que nosso povo persistirá em conquistar o direito de ter o sistema político que considerar, continuar seu caminho de autodeterminação, como tem ditado e dita cotidianamente nosso povo, sem nenhuma intervenção nem ingerência.
Eu espero que esta situação evolua, tal como já disse antes. De fato, a Resolução cubana reconhece a mudança na postura do governo dos Estados Unidos, que se comprometeu a advogar pelo levantamento do bloqueio e também reclama que isto se torne realidade, sem nenhuma dúvida.
Moderador.— Outra pergunta, por favor.
Michael Weissenstein (AP).— Como todos os anos, vocês mediram com muita precisão os efeitos do embargo. Minha pergunta é: Estão dizendo com este relatório que as medidas de Obama não tiveram nenhum efeito positivo na economia cubana? Ou, se não for o caso, qual tem sido o impacto das medidas de Obama?
Bruno Rodríguez.— Eu já falei dos danos acumulados nestas mais de cinco décadas e dos danos acumulados nos últimos 12 meses, aproximadamente, contados até abril no ano 2016; de maneira que estamos fazendo avaliações 21 meses depois dos anúncios de 2014.
Já reconheci que se registraram progressos em alguns âmbitos, mencionei que os contratos de administração hoteleira com companhias norte-americanas têm sido positivos, o reatamento dos vossos comerciais diretos, o estabelecimento de alguns contratos de serviços no âmbito das telecomunicações, o fato de que há níveis de diálogo e de cooperação em âmbitos de mútuo interesse, e também enfatizei que não se produziu nenhuma mudança fundamental na aplicação do bloqueio. Portanto, posso dizer que não tem havido maior impacto econômico das medidas executivas enunciadas até agora. E predigo que não poderá ter impacto algum até que não se deem passos substanciais, que modifiquem realmente a aplicação do bloqueio no âmbito do comércio e dos investimentos.
Noemí Galbán (Xinhua).— Chanceler, como o senhor dizia, existem contradições entre o que diz o presidente Barack Obama e o que faz o Congresso dos Estados Unidos. Como Cuba interpreta essa dualidade no discurso, justamente no âmbito da normalização das relações bilaterais?
Bruno Rodríguez.—Sim, eu já disse que o presidente Obama afirmou que deseja levantar o bloqueio e que comprometerá esforços para fazê-lo.
Eu penso que o governo dos Estados Unidos poderia agir de maneira mais decidida e direta na solução de aspectos do bloqueio relacionados com o comércio, com os investimentos e dezenas de outros, sem necessidade de passar pelo Congresso. Então, seria preciso comparar o discurso com a realidade: o conjunto das limitadas medidas executivas que adotou, com essa vontade expressa de chegar até a eliminação do bloqueio e determinar até que ponto as palavras coincidem com os fatos.
No Congresso dos Estados Unidos talvez ocorre o mesmo. Será preciso ver se o Congresso dos Estados Unidos se decide e avança não no rumo que deseje o governo dos Estados Unidos, mas sim no rumo que estão reclamando os que votam pelos congressistas e senadores e os que pagam os impostos que os mantêm a eles e ao seu governo.
De maneira que eu penso que do que se trata, mais do que comparar o Executivo e o Legislativo ou o Poder Judicial, que se sabe agem de maneira muito combinada nessa nação, do que se trata é de comparar as palavras com os fatos e de julgar pelos dados da realidade e não por declarações amáveis.
Por isso, repito que, reconhecendo que as expressões dessa vontade são positivas e significam uma opção para o futuro, não se pode ignorar o que já ocorreu antes, não se poderá esquecer o que ocorreu nestes 21 meses, não se poderá ignorar o que aconteceu nos últimos 12 meses e que então será necessário julgar por dados tangíveis e será preciso, também, ver o que possa ocorrer, futuramente, sobre a base de como se modifica a realidade, e a realidade é que o bloqueio contra Cuba persiste e que o bloqueio continua provocando danos humanos e econômicos.
Moderador.— Outra pergunta sobre qualquer tema de interesse para vocês? Alguma outra?
Patrick Oppmann(CNN).— Boa tarde.
Bruno Rodríguez.— Boa tarde.
Patrick Oppmann.— Muitos especialistas pensam que já o bloqueio tem seus dias contados. Ao ser levantado o bloqueio, em que tempo se poderão apreciar os benefícios na economia cubana, incluindo os salários dos trabalhadores estatais?
Bruno Rodríguez.— É uma pergunta algo hipotética, não? Será preciso levantar o bloqueio primeiro e calcular depois. Portanto, é difícil aventurar uma resposta. Mas o que será preciso dizer é que o levantamento do bloqueio teria implicações imediatas e diretas na economia cubana, removeria o que é o entrave principal para nosso desenvolvimento, para os níveis de vida e de consumo de nossa população e abrirá uma etapa totalmente nova para o desenvolvimento da economia cubana.
Porém, depois que seu governo levantar o bloqueio, você e eu conversaremos e compartilharei então com você as ideias de como impactará isso e em que prazo. O impacto será decisivo e, com certeza, também será imediato.
Will Grant (BBC, de Londres).— É uma extensão desta ideia. O senhor acha que o bloqueio tem seus dias contados?
E agora que estamos falando de sanções de Washington, hoje o presidente Obama advertiu à Coreia do Norte que pode estender suas sanções pelos últimos testes nucleares. O que pensa o senhor, tanto dos testes quanto das sanções?
Bruno Rodríguez.— Eu não tenho a menor dúvida de que o bloqueio tem seus dias contados, não sei quantos dias; mas o bloqueio é uma peça do passado que terá que ser removida. É uma tendência histórica, é um processo que não para. Não poderia existir nas condições do mundo atual um bloqueio eterno destas características. Devia ter deixado de existir há muito, é uma peça anacrônica, ancorada na Guerra Fria, imprópria destes tempos; imprópria de um país como os Estados Unidos que apregoa determinados valores, propõe-se determinados objetivos, tem um discurso perante o qual o bloqueio estabelece uma contradição insalvável.
Nós persistiremos em nossos propósitos, porque da mesma maneira que o bloqueio algum dia terá que terminar, a independência de Cuba jamais será negociada, jamais; não será feita uma única concessão no tema da autodeterminação, no âmbito do que para nós são princípios inegociáveis.
A simples razão indica que o bloqueio terá que ser levantado. Os analistas, os políticos, as pessoas de boa vontade, vocês os jornalistas, entendo que em geral, anteveem que haverá uma dinâmica, uma tendência importante nos próximos anos neste sentido, o presidente Obama assim o disse e eu esperarei a julgar pelos dados.
Nossa política exterior, por convicção, por princípios, por tradição se opõe às medidas coercitivas unilaterais e a sanções de toda a natureza.
A posição de Cuba em relação com a solução pacífica do conflito e a desnuclearização total da península coreana é bem conhecida.
Carlos Iglesias (Japão).— Já que se está falando de outros temas, em breve terão lugar duas visitas asiáticas importantes: o primeiro-ministro do Japão e o primeiro-ministro da China. Quais são as perspectivas para Cuba desse fluxo, sobretudo o do Japão?
Bruno Rodríguez.— Não estou certo de que tenham havido anúncios públicos, oficiais dessas visitas. Mas posso dizer-lhes que, caso se produzirem, serão muito importantes, significarão um passo de avanço muito importante nas relações bilaterais respectivas, atrairão toda nossa atenção e serão, sem dúvidas, um sucesso, caso se anunciarem e caso ocorrerem.
Noemí Galbán (Xinhua).— Chanceler, nos próximos dias vai ter lugar em Margarita, Venezuela, a Cúpula do Movimento dos Países Não Alinhados. Gostaria de saber qual é a postura de Cuba, qual é a mensagem que Cuba vai transmitir nessa Cúpula, justamente no contexto que está vivendo agora a América Latina.
Bruno Rodríguez.— Os princípios do não alinhamento demonstraram toda sua vitalidade e validez, ainda nos piores momentos do mundo unipolar e têm completa vigência. Os chamados Princípios de Bandung e poderia acrescentar os Propósitos e Princípios aprovados na Cúpula em 2006, em Havana, estabelecem uma plataforma de grande integralidade e absoluta vigência para encarar, a partir do Sul, as crescentes ameaças à paz e a segurança internacionais, derivadas das guerras não convencionais, da doutrina agressiva da OTAN, dos problemas do subdesenvolvimento, de uma ordem econômica totalmente excludente, inequitativa, expoliadora, dos problemas políticos crescentes que ocorrem no mundo atual. Será na fraterna República Bolivariana de Venezuela, que assumirá, aliás, a presidência do Movimento.
Têm sido reconhecidos os avanços da presidência iraniana durante os últimos anos.
Estou certo de que a Cúpula na Ilha Margarita será um sucesso e servirá também, com certeza, para que o Movimento reitere à Venezuela o apoio e a solidariedade com seu presidente constitucional Nicolás Maduro Moros, com os processos que ocorrem na Venezuela, com a união cívico militar, que avança na defesa da soberania e do desenvolvimento dessa irmã nação.
E me atrevo a adiantar, também, que a presidência venezuelana será, sem dúvidas, uma presidência muito bem sucedida.
Acho que já se fizeram demasiadas perguntas, demasiados temas.
Agradeço-lhes muito profundamente sua presença.
Muito obrigado.
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