12 abril 2016

Che e Martí são irmãos


Em Cuba, o almanaque está cheio de datas da pátria. Há quatro dias, completaram 121 anos da chegada de Antonio Maceo e seus companheiros por Duaba, para levantar o povo para a guerra revolucionária de 1895. Quando Ernesto Che Guevara fez o elogio do Titã, pouco tempo após a Crise de Outubro, encontrou a melhor definição para a atitude heroica, soberana e rebelde da Revolução Cubana. Busquei aquela marcante frase de Che: “Nosso povo todo foi um Maceo”. Mas ao ler seu breve discurso comprovei que todo ele tinha a pertinência, a grandeza e a força extraordinária de quem soube compreender o fundamental e atuar sempre como revolucionário consequente, e comprovei que tudo, até a última linha daquele discurso de Che a Maceo em 1962 parece escrito para a Cuba atual, para ajudar-nos nesta hora crucial, para ser publicado hoje em algum dos nossos principais meios de comunicação.

Dentro de cinco dias ocorrerá mais um aniversário da data escolhida por José Martí e seus companheiros para proclamar as Bases do Partido Revolucionário Cubano (10 de abril). Che e Martí são irmãos. Martí não foi grande por cultivar uma rosa branca, nem é recordado quando o cita quem não tem o direito de fazê-lo. Martí era, é e será quem levantou a pátria desde a lama e o impossível, e preparou e pôs em marcha a revolução que fez Cuba e os cubanos. Foi o primeiro a explicar a natureza do imperialismo ianque e iniciou o combate mortal contra este, pretendeu fundar uma república nova e iniciar com Cuba a segunda independência da América Latina, e nos deixou como legado um projeto que ainda estamos tratando de realizar e superar. Ernesto Che Guevara pediu as crianças de Cuba que pensem em Martí como um ser vivo, como alguém presente em cada manifestação da vida cubana, porque o herói popular – disse Che – deve ser uma coisa viva e presente em cada momento da história de um povo. E no último texto que publicou com sua assinatura, a Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental, colocou como epigrafe, junto com a palavra de ordem da revolução mundial, o chamado supremo de Martí: “É a hora dos fornos, e não se há ver senão a luz”.

Foi precisamente em um primeiro de abril, setenta anos depois da chegada dos expedicionários por Duaba, que Che saiu de Cuba para iniciar uma nova fase de sua vida. E esse momento marca o final, em termos cronológicos, dos trabalhos de Ernesto Guevara que estão reunidos nos tomos cinco e seis que apresentamos hoje. O quinto reúne as intervenções públicas de Che – em sua maioria discursos – entre 11 de janeiro de 1964 e 22 de março de 1965. Quase todo o sexto tomo contém transcrições, textos e outros materiais de Che relativos aos conteúdos, o funcionamento e os debates internos do Ministério das Indústrias. Aqui estão as famosas Reuniões Bimestrais nas quais tanto aprofundou Che sobre questões fundamentais das experiências socialistas e a teoria marxista, as que segundo certos funcionários tornavam-se inconvenientes permitir que as pessoas comuns a conhecessem.

Ante estes dois tomos volto a chamar a atenção sobre a culminação extraordinária da batalha intelectual travada por Che – sempre ao lado de Fidel – no seio da Revolução Cubana, durante seu último ano entre nós. Não repetirei uma vez mais o que disse e escreveu, permitam-me somente reiterar que se trata de um dos aportes mais importantes da história do pensamento cubano, porque, na primeira etapa do poder revolucionário de transição socialista, Che formulou teses e argumentos fundamentais, ao mesmo tempo, para o tremendo processo que se vivia, para o projeto, que estava obrigado a ser muito superior ao que a lógica e leis do capitalismo e do socialismo existentes ditavam, e para a compreensão do mundo de então e da teoria marxista. Este é um dos momentos ímpares da história da corrente radical dentro das revoluções e do processo geral da história das ideias em Cuba. Quanto ao pensamento de Guevara, é necessário complementar a leitura voltando a segunda seção do tomo I desta coleção. Nesta aparecem, junto com outros textos, os da chamada polêmica econômica de 1963 e 1964, e O Socialismo e o homem em Cuba, de março de 1965, o manifesto comunista de Che, a proclamação de uma revolução que explica ao mundo a verdadeira natureza do socialismo e o caminho que necessitam percorrer os seres humanos e as sociedades. Nos últimos dois anos e meio de sua vida, iniciados com a partida do 1º de abril de 1965, Ernesto Che Guevara se dedicou a duas tarefas: impulsionar a revolução no mundo, com a arma em punho, para ajudar a forçar a situação em favor do campo popular e da causa cubana; e desenvolver sua concepção teórica e sua exposição escrita, para servir melhor ao pensamento crítica comunista e de libertação. A primeira tarefa foi a priorizada, a ela dedicou seus constantes esforços, sua audácia e sua entrega revolucionária, e por ela deu sua vida.

Muito se falou neste último mês, e com muita razão, sobre a necessidade e a urgência de apoderarmo-nos de toda nossa história, de rechaçar o canto de sereia imperialista que nos convida a esquecer e a esperar, com a boca aberta e a mão estendida, que uma mão poderosa nos brinde algo que lhe sobra, em troca de que entreguemos todo o valioso que criamos. Um aspecto sumamente importante de este acervo que nos é tão necessário é conhecer realmente, e utilizar, o pensamento de Che. Que venha a nos ajudar a colocar, e a colocar corretamente, nossos problemas e nossos caminhos, a nos salvar dos diferentes perigos que nos ameaçam, a contribuir para satisfazer a obrigação inevitável de pensar no futuro de Cuba. Che fez sua parte, tudo o que pode, a nós cabe que mantenhamos vivo e atuante. E que possamos dizer, entre todos, como um dia disse a ele Camilo: “aqui está o Che”.

por Fernando Martinez Heredia, no blog La Pupila Insomne

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