23 maio 2016

Buscam converter em lei outra injustiça contra Cuba


Alguns legisladores estadunidenses não concordam com os trincos instalados na Base Naval em Guantánamo e querem agora guardar, sob sete chaves, as possíveis negociações para a devolução a Cuba do território ocupado ilegalmente há mais de um século.

O atual Congresso é considerado um dos mais disfuncionais da história. À guerra travada entre a maioria republicana em ambas as câmaras do Legislativo contra o governo democrata de Barack Obama, soma-se uma confusão de interesses particulares que pela primeira vez, em quase dois séculos, ameaça com provocar uma nova configuração dos partidos políticos norte-a­mericanos.

Em meio a esse complexo ambiente estão em andamento vários projetos de lei que buscam fazer com a base o mesmo que a lei Helms-Burton conseguiu fazer com o bloqueio, em 1996: converter em lei o status quo e limitar as capacidades de manobra da Casa Branca.

A lei de orçamentos para a defesa do presente ano já inclui uma disposição que impede o presidente de fechar o cárcere aberto na Base Naval, no ano 2002, após os ataques terroristas de 11 de setembro, que foi uma das promessas de campanha de Obama para chegar à Casa Branca, em 2008. Agora o que se pretende é fortalecer a proibição e também evitar, por todos os meios, que o presidente inicie negociações com Cuba para a devolução do terreno onde está instalada a própria base.

Diversos funcionários da administração, inclusive o secretário do Estado, John Kerry, negaram que o tema de Guantánamo esteja atualmente na mesa de negociações com Cuba, como parte do processo rumo à normalização das relações. Contudo, o presidente Obama não descartou a possibilidade de que venha a ocorrer futuramente. “Imagino que será uma longa discussão diplomática que  se estenderá mais além da minha administração”, disse em uma entrevista exclusiva ao Yahoo News.

E no dia em que isso acontecer, os especialistas concordam em que o presidente tem faculdades executivas para dispor o fim do contrato de arrendamento, mediante o qual Washington manteve o controle e uso dessa porção de terra cubana, durante mais de um século, sem necessitar da aprovação do Congresso.

Na história político-jurídica estadunidense existe um precedente legal que apoia as prerrogativas presidenciais em termos de acordos assinados pelo Executivo. Durante o governo de Jimmy Carter, a Corte Federal de Apelações para o Distrito de Columbia reconheceu a faculdade constitucional do en­tão presidente para pôr fim ao Acordo de Defesa Mú­tua com a República da China, assinado em 1934.

Esse convênio bilateral, tal como o assinado entre os EUA e a nascente república neocolonial cubana, em 1902, não continha condicionamentos ou cláusulas que atribuísse ao Congresso papel algum para pôr  fim neles. Portanto, existe na prática jurídica e na academia estadunidense um amplo consenso sobre a autoridade Executiva, apoiado em boa medida no gerenciamento e controle dos assuntos de política exterior dados à figura do presidente pela própria Constituição desse país.

SOB SETE CHAVES
Mas os legisladores opostos à normalização das relações entre Havana e Washington simplesmente desejam evitar a todo o custo que o presidente cumpra uma de suas promessas eleitorais e têm diferentes vias para fazer mais tortuoso o caminho.

“Neste assunto há um conflito constitucional entre a autoridade do presidente para conduzir a política externa e o poder do Congresso para controlar as despesas”, explicou ao Gran­ma o professor de Governança da Universidade Americana, William Leogrande.

Um prestigioso advogado da firma Shearman&Sterling de Washington que representou prisioneiros detidos no cárcere da base, Thomas B. Wilner, disse por seu lado a este jornal que Obama conta com a autoridade legal para iniciar as negociações com Cuba, mas “do ponto de vista prático é pouco provável que o presidente aja de maneira unilateral, sem ter o apoio do Congresso”.

Daí a importância do ambiente no órgão legislativo. Os congressistas podem aprovar uma lei independente ou incluir uma disposição ao interior de outra legislação, especialmente as que atribuem orçamentos para atividades vitais da nação.

O republicano da Flórida, Ted Yoho, é um dos líderes na Câmara Baixa dos projetos para restar competências ao presidente. Além de um fortalecimento das disposições incluídas nos orçamentos, adianta um projeto que leva por nome Lei de Prevenção da Transferência da Es­tação Naval da Baía de Guantánamo, que iria muito mais longe na linguagem do que aquilo que foi visto até agora. Outro republicano pela Flórida, David W. Jolly, defende um projeto similar, sob o título de Lei para la Proteção da Estação Naval da Baía de Guantánamo.

Aos dois se acrescenta mais de uma dúzia de projetos ligados de uma ou outra maneira à Base Naval em Guantánamo.

Entre os principais patrocinadores de bloquear qualquer tentativa de devolução do território ilegalmente ocupado estão vários legisladores de origem cubana. Em um artigo que escreveu para o jornal Las Américas, Ileana Ros-Lehtinen narrou sua recente viagem à Base Naval, junto a seus colegas cubano-americanos Mario Díaz Balart, Carlos Curbelo e outros.

“O Congresso deve evitar que o presidente feche a estação naval, feche o centro de detenção e retorne a base ao regime castrista”, assegurou então.

ESTRATÉGICA SÓ PARA TORTURAR
Ros-Lehtinen também se referiu ao outro velho mito com o qual se tentam encobrir os defensores de um vestígio colonialista na região: a suposta localização estratégica da base para os interesses norte-americanos.

Contudo, devido aos avances tecnológicos e as capacidades dos navios atuais não é necessária uma instalação desse tipo para receber combustível e outros suprimentos, como estava inicialmente planejada. James Stavridis, chefe do Comando Sul do Exército dos Estados Unidos de 2006 a 2009, assegurou há pouco que Guantánamo, como instalação militar, já não é essencial na era moderna dos porta-aviões, submarinos nucleares e aviões não tripulados.

A única vantagem “estratégica” então é utilizar a instalação para realizar torturas e detenções arbitrárias, sem prestar contas aos tribunais norte-americanos ou à comunidade internacional.

De acordo com os termos do contrato de arrendamento, o território onde está instalada a base é de soberania cubana, mas os Estados Unidos têm pleno controle sobre ele para efetuar suas operações. Daí que se tenha criado o que os advogados chamam de um “buraco negro legal”.

O cárcere passou à história como um símbolo do lado mais escuro dos Estados Unidos em sua luta contra o terrorismo, mediante violações dos direitos humanos dos detentos.

IMPRESCINDÍVEL PARA A NORMALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES
Desde os anúncios de 17 de dezembro de 2014 esteve presente o tema da devolução do território ilegalmente ocupado pelos Estados Unidos como um dos principais obstáculos no processo rumo à normalização das relações entre os dois países, junto ao fim do bloqueio, o fim dos programas subversivos, o fim das transmissões ilegais de rádio e televisão e a compensação a nosso povo pelos danos causados durante mais de meio século de agressões.

Mas o tema pode ser confirmado muito antes. “É um reclamo de Cuba desde inícios da Revolução. Foi um dos cinco pontos expostos pelas autoridades cubanas na altura da Crise dos Mísseis”, disse ao Granma Internacional Elier Ramírez Cañedo, doutor em Ciências Históricas e coautor do livro De la confrontación a los intentos de normalización. La política de los Estados Unidos hacia Cuba.

“Os diversos governos dos Estados Unidos evitaram todo o tempo um debate sério e profundo com Cuba sobre o tema”, assinalou. E ressaltou que as conversações mais abrangentes tiveram lugar em 1978, durante a administração do democrata James Carter.

A história demonstra, segundo Ramírez que o tema não foi um tabu e que sob condições corretas se poderia chegar a uma solução de benefício mútuo.

De fato, a lei Helms-Burton estipula que os Estados Unidos podem dar os passos para sua devolução uma vez que esteja instaurado aquilo que o texto define, de forma ingerencista, como um “governo democrático”, evidenciando que o interesse estratégico de fundo é quase nulo.

Inclusive, em outras ocasiões, Washington foi mais longe. “O precedente óbvio de uma negociação para a devolução de Guantánamo são os acordos do presidente James Carter com o Panamá, que conduziram à devolução do Canal”, referiu Leogrande. “O tratado Torrijos-Carter foi muito mais difícil politicamente, dentro dos Estados Unidos que o que poderia ser a devolução de Guantánamo”.

Embora o advogado Thomas Wilner concorde com Leogrande em colocar as negociações sobre o Canal como um dos referentes fundamentais, precisa que as condições atuais são muito diversas. “Penso que seria impossível com o ambiente atual retornar o Canal ao Panamá”, apontou acerca das condições de paralisia política que existe no interior do Congresso norte-americano.

Wilner assegura que, em longo prazo, viria a ser contrário para os interesses estadunidenses o fato de que o Congresso bloqueie a devolução a Cuba do território ocupado em Guantánamo. “É absolutamente contrário aos interesses estadunidenses que o Con­gresso, inclusive, bloqueie o início das negociações sobre este tema”.

“Devido a que as relações entre ambos os países estão mudando rapidamente, seria melhor para o presidente contar com a flexibilidade para negociar com Cuba sobre o futuro de Guantánamo, em lugar de estar fechado no status quo”, apontou por seu lado Leogrande.

O historiador cubano Elier Ramírez assegurou que o tema não era um tema “impossível” para os Estados Unidos, ainda que talvez seja um assunto “escabroso”, em meio ao contexto eleitoral. “A realidade é que Obama tem todas as faculdades executivas outorgadas pela Constituição dos Estados Unidos para devolver o território que hoje ocupa em Guantánamo aos cubanos. Ele não disse nada acerca disso no discurso proferido no Grande Teatro de Havana Alicia Alonso, apesar de saber que é um tema muito sensível para os cubanos, que mantém comprometida a soberania territorial da Ilha”, acrescentou.

O pesquisador do Centro de Estudos Hemisféricos e sobre os Estados Unidos (Cehseu) da Universidade de Havana, Luis René Fernández Tabío, considera que o fechamento e devolução do território que ocupa a base em Guantánamo será conseguido na medida em que se torne, cada vez mais claro, que os custos de manutenção são maiores do que qualquer benefício real ou aparente, para a segurança e o bem-estar da perspectiva estadunidense.

“Ainda que os caminhos forem tortuosos virá à baila a inutilidade da base naval de todo ponto de vista — econômico, político, ideológico — inclusive e, sobretudo, para a “segurança nacional” dos Estados Unidos”, acrescentou.

O fator chave para atingir esse objetivo, disse, é que Cuba continue sustentando a demanda e sua fortaleza como nação independente e soberana, associada à progressiva solidez que alcance sua dinâmica econômica, social e política.

Do Granma

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